terça-feira, 16 de dezembro de 2014

Se

Professor Hermógenes


Se, ao final desta existência,
Alguma ansiedade me restar
E conseguir me perturbar;
Se eu me debater aflito
No conflito, na discórdia…
Se ainda ocultar verdades
Para ocultar-me,
Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas…
Se restar abatimento e revolta
Pelo que não consegui
Possuir, fazer, dizer e mesmo ser…
Se eu retiver um pouco mais
Do pouco que é necessário
E persistir indiferente ao grande pranto do mundo…
Se algum ressentimento,
Algum ferimento
Impedir-me do imenso alívio
Que é o irrestritamente perdoar,
E, mais ainda,
Se ainda não souber sinceramente orar
Por quem me agrediu e injustiçou…
Se continuar a mediocremente
Denunciar o cisco no olho do outro
Sem conseguir vencer a treva e a trave
Em meu próprio…
Se seguir protestando
Reclamando, contestando,
Exigindo que o mundo mude
Sem qualquer esforço para mudar eu…
Se, indigente da incondicional alegria interior,
Em queixas, ais e lamúrias,
Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia
Para a minha ainda imperiosa angústia…
Se, ainda incapaz
para a beatitude das almas santas,
precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende…
Se insistir ainda que o mundo silencie
Para que possa embeber-me de silêncio,
Sem saber realizá-lo em mim…
Se minha fortaleza e segurança
São ainda construídas com os materiais
Grosseiros e frágeis
Que o mundo empresta,
E eu neles ainda acredito…
Se, imprudente e cegamente,
Continuar desejando
Adquirir,
Multiplicar,
E reter
Valores, coisas, pessoas, posições, ideologias,
Na ânsia de ser feliz…
Se, ainda presa do grande embuste,
Insistir e persistir iludido
Com a importância que me dou…
Se, ao fim de meus dias,
Continuar
Sem escutar, sem entender, sem atender,
Sem realizar o Cristo, que,
Dentro de mim,
Eu Sou,
Terei me perdido na multidão abortada
Dos perdulários dos divinos talentos,
Os talentos que a Vida
A todos confia,
E serei um fraco a mais,
Um traidor da própria vida,
Da Vida que investe em mim,
Que de mim espera
E que se vê frustrada
Diante de meu fim.
Se tudo isto acontecer
Terei parasitado a Vida
E inutilmente ocupado
O tempo
E o espaço
De Deus.
Terei meramente sido vencido
Pelo fim,
Sem ter atingido a Meta.


fonte: A magia da Poesia

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Só sei que nada sei... isso explica algo?

Como é difícil conviver com a modernidade!!!!
Conflitos, conflitos, conflitos!
Estudando a pós modernidade, lendo Harvey, Chesnais, Zizek, Bauman consegue-se extrair os dilemas postos nesse capitalismo mundializado, mas talvez eu tenha me dado conta agora o quanto isso influencia todos os aspectos da vida: social, cultural, sentimental, político, ideológico.....
O quanto isso tem influenciado a minha vida em todos os aspectos.... 
Ok, sou uma contradição com pernas e não sou exemplo para ninguém, mas afinal, quem é?
Que mania chata que as pessoas tem de querer classificar, rotular e colocar tudo em caixas: compra-se amor em supermercado, vende-se sorrisos em padarias, sonhos em formato de spray para o ambiente.... é tudo construído, tudo superficial.... as relações humanas? Supérfluas....
As mulheres atingiram sua independência financeira, mas algumas ainda sofrem por não ter se desprendido da emocional.... mas afinal, de quem é a culpa? A sociedade que exige da mulher sua independência, também cobra que se case, tenha filhos, saiba cozinhar, fazer afazeres domésticos, viaje, faça mestrado, doutorado, pós doutorado e ah!!! Tudo antes dos 30, por favor!!!!!
São tantos conflitos.... se mulheres resolvem apenas ser independentes, rotula-se e são criticadas, se apenas querem constituir uma família, são retrógradas..... se querem fazer de tudo, malucas, claro! Se são bem resolvidas e sabem o que quer, inclusive quanto ao que fazer com seu corpo, vadias, se não sabem, recalcadas... que droga de mundo de rótulos, títulos e julgamentos!!!
Se você é você mesmo, louco, se se adapta para agradar a alguém, sem personalidade....
Com tantos rótulos, com tanta coisa, sobra pouco espaço para o ser humano apenas ser, errar, aprender, as pessoas simplesmente não tem piedade!!!!!!!
Muita coisa passando pela cabeça.... sabe aquela fase em que você procura desconstruir todas as bases em que se sustentou a vida até agora?
São tantas mudanças, tantas inseguranças, tantos tantos e tantos porquês.... mas a verdade é que eu cansei.... cansei de pensar, de tentar entender, de ficar nesse processo mental exaustivo e cansativo....  cansei de julgamentos, cansei das pessoas cuidando da vida das outras, pois, afinal, para que cuidar da sua que é tão sem graça e sem sentido??!
Mais piedade, menos veneno, mais amor ao próximo, menos apontamentos, mais sorrisos e menos palavras....
no final das contas, caso não tenha nada de bom e produtivo a se dizer, talvez seja melhor se calar.... mais amor e menos dor, por favor!


sexta-feira, 2 de maio de 2014

Angústia, desabafos....

Todos estes dias tenho estado muito angustiada, tentando dar algum sentido para os diversos pensamentos que rondam minha mente....
Estou sofrendo um pouco com as notícias sobre a crueldade e a frieza do ser humano mesmo, como cristã, por acreditar que estamos a viver os tempos do fim, já ter sido advertida pela bíblia que seria assim....
Fácil é saber, difícil é lidar.... como no filme Amelie Poulain, "são tempos difíceis para os sonhadores"....
Como se portar em um mundo marcado pela liquidez? Nas expressões e teses de Bauman, a modernidade é líquida, o amor é líquido, a sociedade é líquida.... enfim, o que resta de concreto?
Talvez esta seja uma das maiores angústias e principal característica da modernidade.... não existem verdades absolutas... e o ser humano nisto tudo? E eu? Como lidar com isto?
Talvez tenha nascido em época errada.... tenho muita dificuldade em aceitar a tal liquidez, acredito em verdades absolutas, amores e amizades que duram para sempre, em princípios e padrões de comportamentos que deveriam ser eternamente praticados... o resultado? Bombástico. E a frustração? Talvez se não acreditasse em algo maior, seria catastrófica....
é engraçado.... acho que ao deixar meus pensamentos fluírem, abri a caixa de pandora, mas ao invés de libertar todos os males do mundo, libertei as angústias dele... algumas, tomei para mim.....


segunda-feira, 31 de março de 2014

Podemos Crer-nos Livres



Aqui, Neera, longe
De homens e de cidades,
Por ninguém nos tolher
O passo, nem vedarem
A nossa vista as casas,
Podemos crer-nos livres.

Bem sei, é flava, que inda
Nos tolhe a vida o corpo,
E não temos a mão
Onde temos a alma;
Bem sei que mesmo aqui
Se nos gasta esta carne
Que os deuses concederam
Ao estado antes de Averno.

Mas aqui não nos prendem
Mais coisas do que a vida,
Mãos alheias não tomam
Do nosso braço, ou passos
Humanos se atravessam
Pelo nosso caminho.

Não nos sentimos presos
Senão com pensarmos nisso,
Por isso não pensemos
E deixemo-nos crer
Na inteira liberdade
Que é a ilusão que agora
Nos torna iguais dos deuses.

Ricardo Reis, in "Odes"

Heterónimo de Fernando Pessoa