segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Querer mesmo

Matha Medeiros

É difícil conseguir o que se quer. Só se torna menos difícil quando se quer mesmo !

O navegador Amyr Klink, ao ser perguntado por um repórter sobre o que sentia a respeito das pessoas que passam 30 anos trabalhando no mesmo escritório, sentadas a vida inteira diante da mesma escrivaninha,
respondeu: "Inveja". Klink admira quem consegue ser feliz numa rotina imutável e tediosa. Como ele não consegue, sai pelo mundo em busca de desafios.

Foi uma resposta provocativa. Inveja é justamente o que nós, seres confortavelmente acomodados, sentimos de Amyr Klink quando o vemos excursionar por cenários glaciais de tirar o fôlego e fazendo a superação dos seus medos a sua rotina. Qual o segredo desse cara, afinal, para conciliar família e aventura ? A gente também adoraria essa vida, mas a diferença entre ele e nós, acreditamos ingenuamente, é que ele tem patrocínio para sua falta de juízo, enquanto que nós temos juízo de sobra e dinheiro contadinho no final do mês.

Na verdade, nossa resignação é conveniente, já que realizar sonhos dá muito trabalho. A única diferença entre ser um navegador e ser uma economista-que-sonha-em-ser-um-navegador é que um quis mesmo. O outro não quis tanto assim.

Para romper convenções, e arriscar-se no desconhecido, é preciso querer mesmo. Querer mesmo escalar uma montanha, querer mesmo surfar uma onda assassina, querer mesmo filmar um documentário na África, querer mesmo ser correspondente de guerra, querer mesmo trabalhar na Nasa, só para citar outras aventuras supostamente inatingíveis. Querer mesmo, em vez de apenas
querer, abre a cancela de qualquer fronteira, seja ela geográfica ou emocional.

Antes de alcançar os pontos mais indevassáveis da Antártica a bordo de barcos equipados com alta tecnologia, Klink remou bastante, não ficou em casa mentalizando seu sonho. Querer mesmo significa abrir mão de uma série de confortos, tomar muito chá de banco, ver inúmeras idéias darem errado antes de darem certo. E, em troca, ser chamado de doido varrido.

Querer, a gente quer muita coisa. Mas quase sempre é um querer preguiçoso, um querer que não nos impulsiona a levantar da cadeira, ainda mais quando nosso projeto tem 0,5% de chance de sucesso. É difícil conseguiu o que se quer. Só se torna menos difícil quando se quer mesmo. Pena que alguns só
querem mesmo é ser rico ou ser gostosa, para isso fazendo coisas muito mais insanas do que faz Amyr Klink. O que todos deveriam querer, mas querer mesmo, é fugir da mediocridade.



“Nunca mais
é a expressão que durará pra sempre
entre nós a ausência, a surdez, a cegueira
nada, silêncio, nem um eco ou assovio
mata-se o amor no frio”


Martha Medeiros

Sereníssima

Sou um animal sentimental
Me apego facilmente ao que desperta o meu desejo
Tente me obrigar a fazer o que não quero
E cê vai logo ver o que acontece
Acho que entendo o que você quis me dizer
Mas existem outras coisas

Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade
Tudo está perdido, mas existem possibilidades
Tínhamos a ideia, mas você mudou os planos
Tínhamos um plano, você mudou de ideia
Já passou, já passou - quem sabe outro dia

Antes eu sonhava, agora já não durmo
Quando foi que competimos pela primeira vez?
O que ninguém percebe é o que todo mundo sabe
Não entendo terrorismo, falávamos de amizade

Não estou mais interessado no que sinto
Não acredito em nada além do que duvido
Você espera respostas que eu não tenho mas
Não vou brigar por causa disso
Até penso duas vezes se você quiser ficar

Minha laranjeira verde, por que está tão prateada?
Foi da lua dessa noite, do sereno da madrugada
Tenho um sorriso bobo, parecido com soluço
Enquanto o caos segue em frente
Com toda a calma do mundo

Legião urgana

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Sobre meninos e lobos....

Pensei na frase que li essa semana:

O lobo será sempre mau se ouvirmos somente a versão da Chapeuzinho Vermelho.... 

A cultura ocidental está muito presa à visão maniqueísta e isso acaba influenciando a nossa forma de ver o mundo, nossos juízos de valor, enfim a nossa vida como um todo....
Talvez seja mais fácil lidar com as certezas e o reducionismo que muitas vezes essa visão apresenta do que com a constante sensação de insegurança de ter que lidar com a modernidade líquida, com essa volatilidade... 

nada é eterno, nada é feito para durar... como disse Marx, tudo que é sólido se desmancha no ar e, com isso, também se esvai um pedaço de mim.... 



sexta-feira, 5 de junho de 2015

Palavras jogadas ao vento

Aqui estamos novamente...
Você um delírio perdido no espaço-temporal....
Eu terra, rocha, sofrendo os efeitos da erosão....
Sentada na janela, faço bolinhas de sabão
E as vejo dissipando pelo espaço, tal qual a nossa relação....
Falar em desgaste?
Talvez fosse cedo demais....
Pedir certezas? No começo eram tantas....
Mas com o tempo elas se perderam,
Não chegaram aos seus destinos,
O eu e você
Não foram fortes o suficiente para formarem o  “nós”....
Talvez justamente pelos nós que se deram ao longo do caminho...
Um emaranhado de ideias não concretizadas,
Promessas não cumpridas,
 fatos e hiatos....
A gente se perdeu....
Ou talvez já estivéssemos perdidos, por que não?
Eu terra, eu rocha, sofri os efeitos da erosão...
Erosão da identidade, corroída com cada olhar de desprezo,
Com cada atitude egoica e e despretensiosa,
Com cada plano em que não fui inserida,
Com cada ligação sonhada e não realizada,
Com cada mensagem não enviada e não recebida....
Eu forte, hoje não tão forte assim...
Sofrendo por aquilo que chamam de amor,

A maior riqueza e a maior dificuldade da vida....  

Carol Masotti

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Texto sobre alguma coisa entre o viver e o existir

Ela nasceu no dia 15 de abril de 1922 e faleceu no dia 22 de março de 1982....
Em sua lápide constou “excelente mãe e esposa, descanse em paz”
Foram 59 anos de dedicação externa..... dedicou-se a brincar de bonecas para aprender a ser uma excelente mãe.... brincava de casinha para aprender os ofícios domésticos... ajudava em casa, aprendeu a cozinhar primorosamente para ser uma boa esposa... costurava, aprendeu caligrafia como ninguém, aprendeu a ser uma dama, a não falar, não reclamar, não se expressar... casou e aprendeu a sofrer calada, a cada surra tomada, a cada sangue derramado, ela sorria, sofria e aguentava.... a cada filho nascido, fruto de estupro dentro do casamento, dividia o amor por aquele ser e o ódio que crescia dentro dela..... ela aguentou calada todas as humilhações, todas as traições, todos os batons vermelhos e perfumes baratos nas camisas de seu "amado e devoto esposo".... foi uma vida de abdicações, do amor, dos estudos, dos sonhos, da vida, dela mesma.... foram 59 anos de resignação... até que um dia ela sucumbiu..... e nunca fora vista mais feliz e mais em paz do que quando em seu caixão.....
Dia 15 de abril de 1922 ela nasceu para o mundo porém, no dia que nasceu morreu para si... foram 59 anos de uma vida não vivida, espectro do outro.

No dia 22 de março de 1982 ela morreu para o mundo para finalmente nascer para si, completa e íntegra, como jamais fora na vida.....

Carol Masotti

sexta-feira, 15 de maio de 2015

Vida de concurseiro....

Vida de concurseiro é uma coisa de louco... você percebe que é caminho sem volta quando, numa mesa de bar sua amiga começa a contar seu dilema amoroso, comenta que não sabe se está namorando ou não com o sujeito e você pensa, aha!!!!! Relacionamento putativo. Aí a outra comenta que estava saindo com um rapaz e pararam de se falar e você deduz, hummmm, foi um término de relacionamento tácito.... aí ela comenta que está chateada, que isto está tirando a concentração dela e você pensa... será que tirar a paz interior caracteriza perturbação de sossego? Aí você vai ao supermercado, na parte do açougue sente a temperatura e pensa, será que o trabalhador recebe adicional de insalubridade? Tem os intervalos garantidos? Aí vê um trabalhador dedetizando um prédio e questiona sobre o EPI e porque ele não usa luvas, se a pele não absorve o produto.... vai fazer compras, vê uma etiqueta Made in China e pensa, dumping social e não compra!!!! Se apaixona e pensa, encontrei minha conditio sine qua non rsrsrsrsrs Aí você percebe que você respira o direito e isso, ninguém tira de você... e vê que a melhor coisa a se fazer é continuar, perseverar até passar, pois o direito já mora em você e dá o maior trabalho entrar com ação de despejo para retirá-lo, e o melhor, sob qual fundamentação??? Talvez não haja possibilidade jurídica deste pedido, nem tampouco real interesse de agir....

por Carol Masotti

Terceirização


Por Carol Masotti

Tece a teia a aranha à noite
Em perfeita simetria
Vem a mosca desavisada
E por um simples ato perde a vida.
Bicho homem “tece” a teia
Estrutura, Para e Objetiva...
Vem trabalhador desavisado
E por um simples ato falho
Perde o direito de ser chamado de empregado.
Ratel é mamífero “fofinho”
Mas nem leão se aproxima
Não deixe as aparências enganarem
Desprovido de medo
Em seu habitat faz chacina...
Bicho homem empregador
É mamífero fofinho
desprovido de medo
é o bom senhor bonzinho
Uma vítima do sistema
Que é muito sofrido
E que por estes direitos trabalhistas
se algema.....
Então bicho homem empregador
Tem uma grande ideia
Quer explorar a mão de obra do trabalhador
Mas não quer ter diarreia
Com os direitos trabalhistas...
Daí surge a falácia
Do que significa a terceirização...
É a coisificação do homem,
É o esvaziamento do sindicato
e do que significou esta união
é a perda da identidade de classe
é trabalhador sem dinheiro e pé no chão
é a precarização do direito social
é a foice,
sem o martelo na mão....

quarta-feira, 13 de maio de 2015

Despedida

Talvez esta seja a despedida mais dolorosa que vivi....
eu me despeço de mim e ponho as chaves da casa que nos pertencia no criado mudo e parto, sem olhar para trás....
Parto, pois talvez nunca tenha chegado e estado verdadeiramente aqui, presente....
Talvez tenhamos vivido uma utopia, projetando no outro nossas expectativas e frustrações, aquilo que gostaríamos de ser e que nunca fomos....
O que pedes de mim não posso te dar.... impossível abrir mão dos meus princípios, do que eu sou, da minha individualidade e o que lhe peço é caro: atenção, você não é dado a estas sentimentalidades.
Não posso amar como um mendigo, sendo uma imperatriz..... não posso exigir nada de você, pois o amor não é dado a exigências, ele é regado a carinho e a gentilezas singelas que brotam espontaneamente... como aquelas ervas daninhas que surgiram no jardim da janela....
Não peço que me compreendas, nem que tenhamos aquela conversa final.... apenas quero virar as costas sem olhar para trás, com o olhar num presente que nunca vivi, vislumbrando um futuro que que desnudarei....
No meu corpo tem tatuado seu perfume, sua pele, seu beijo, isso talvez fique em mim como sequela, como lembrança daquilo que poderia ter sido e não foi, mas não como uma lembrança triste, mas de uma época em que pensávamos que o mundo era pouco, que a gente iria além....
Você sempre será uma lembrança doce, uma combinação de barba e cachos, de cheiro e eletricidade.... 
Não soubemos lidar com as diferenças, talvez eu não tenha tirado o melhor de ti e você nem tampouco de mim... quem sabe se houver outra realidade possamos ser felizes, eu, sendo como sou, você, sendo como és, belo e inatingível....
O taxi chega.
Aproveito que não estás em casa..... pego as malas, caio no mundo sem deixar endereço, registro, rastro.... saio definitivamente de cena.

quarta-feira, 29 de abril de 2015

PEDAÇOS DE MIM

Eu sou feito de
Sonhos interrompidos
detalhes despercebidos
amores mal resolvidos

Sou feito de
Choros sem ter razão
pessoas no coração
atos por impulsão

Sinto falta de
Lugares que não conheci
experiências que não vivi
momentos que já esqueci

Eu sou
Amor e carinho constante
distraída até o bastante
não paro por instante


Tive noites mal dormidas
perdi pessoas muito queridas
cumpri coisas não-prometidas

Muitas vezes eu
Desisti sem mesmo tentar
pensei em fugir,para não enfrentar
sorri para não chorar

Eu sinto pelas
Coisas que não mudei
amizades que não cultivei
aqueles que eu julguei
coisas que eu falei

Tenho saudade
De pessoas que fui conhecendo
lembranças que fui esquecendo
amigos que acabei perdendo
Mas continuo vivendo e aprendendo.
Martha Medeiros